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  • Foto do escritorDra Daiana S. Takeshita

A função social dos contratos de franquia empresarial

Atualizado: 13 de abr. de 2022

Para que se desenvolva um modelo de negócio que possa ser replicado por meio de franquias empresariais a contento é necessária a existência de uma estrutura básica de negócio e protocolo de intenções que compõe a sua essência. Uma vez provada a inexistência desta estrutura básica ou mudança de comportamento quanto ao protocolo de intenções firmado a franqueadora deve responder pelos prejuízos causados aos seus franqueados, segundo a Dra Daiana S. Takeshita, advogada especialista em franchising.
Veja opinião na íntegra. Afinal, até que ponto vale a pena investir em franquias no Brasil?

Para que se desenvolva um modelo de negócio que possa ser replicado por meio de franquias empresariais a contento é necessária a prévia existência de uma estrutura básica de negócio e protocolo de intenções que compõe a sua essência.


Uma vez provada a inexistência desta estrutura básica ou mudança de comportamento quanto ao protocolo de intenções inicialmente acordado entre as partes a franqueadora deve responder pelos prejuízos causados aos seus franqueados.


Quando falamos de estrutura básica falamos de um modelo de negócio já testado e aprovado, com estrutura física, cadeia de fornecimento e abastecimento, e mão de obra suficiente para suporte e transferência de know-how do franqueador para seus franqueados.


Já o protocolo de intenções, este na maioria das vezes vem expresso através de cláusulas contratuais, e se apresentando também de modo implícito, pois é da própria essência do próprio franchising: o desenvolvimento de uma relação de parceria com vistas ao crescimento conjunto pautada pela boa-fé e confiança.


O ordenamento jurídico brasileiro prevê a aplicação de princípios básicos à todos os tipos de contratos merecendo destaque os princípios da boa-fé objetiva e da função social, previstos nos artigos 42 e 422, ambos do Código Civil Brasileiro, e indiscutivelmente aplicáveis às relações jurídicas entre franqueados e franqueadores.


Sobre a boa-fé objetiva que compõe o protocolo de intenções firmado entre franqueado e franqueadora, como já mencionamos, ele aparece implícito nos contratos e guarda relação direta com o artigo 422 do Código Civil Brasileiro o qual estabelece que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.


Em outras palavras, a boa-fé objetiva é princípio segundo o qual as partes têm o dever de agir com base em valores éticos e morais da sociedade, lealdade, transparência e colaboração em todas as etapas da execução do contrato, sendo vedado comportamento contraditório ao que foi inicialmente adotado.


Já no que diz respeito à função social, trata-se de princípio que por muitos anos passa por despercebido pelos players do setor e toda sociedade, tendo sua importância ofuscada pelo discurso de que investir em franquias é altamente lucrativo e com sucesso garantido.


Previsto no artigo 421 do Código Civil Brasileiro, o princípio da função social dos contratos trata-se de norma impositiva em que o legislador fez prever que a liberdade contratual deverá ser exercida nos limites da função social do contrato.


Isso porque uma relação contratual não produz efeitos apenas para os contratantes, produzindo também efeitos para toda a sociedade como um todo.


Toda franquia gera reflexos que extrapolam o âmbito econômico de franqueadora e franqueado ao gerar novas vagas de emprego, através dos impostos pagos e o consumo dos serviços ou produtos da franquia, aquecendo toda a economia, materializando, desta forma, a verdadeira função social do contrato que por vezes na história do franchising acaba sendo esquecido até mesmo pelas grandes marcas que atuam no setor.


A título de exemplo podemos citar caso que tomou notoriedade em 09 de abril de 2000 por intermédio de matéria publicada pelo site Folha de São Paulo contendo a seguinte chamada: “Big Mac perde ‘sabor’ para franqueados” . Segundo a matéria veiculada pelo referido jornal, em 1999 um franqueado do McDonald’s enviou relato de grande repercussão contando sua história.


Americano radicado na Capital paulista, John Rowell adquiriu duas franquias da marca entre 1994 e 1997. Já naquela época, John sofreu com atos de canibalização dentro da própria rede, quando uma franquia devora os clientes da outra. Conforme relato daquele franqueado, antes mesmo de inaugurar sua primeira franquia a franqueadora teria aberto outra unidade a menos de 2 km do local onde pretendia instalar a sua, e mais outras unidades pouco tempo depois.


Além disso, o custo de ocupação do ponto comercial era altíssimo para os franqueados, eis que já naquela época a franqueadora praticava a sublocação do ponto aos franqueados com valor de aluguel acima da locação original.


Tais práticas, além de não respeitarem o território dos franqueados, os levava à falência.


Ao tentar se socorrer do auxílio da franqueadora, o presidente mundial da Mcdonald’s na época teria respondido da seguinte forma: “queremos operadores de restaurantes, não investidores” e que “o acordo de sublocação é voluntário e acertado em linha com o franqueado; que se este não estiver satisfeito, que procure outro negócio”.


Se o relato daquele franqueado lhe parece uma história triste e absurda de alguém que teve uma experiência ruim com franquias entre meados de 1994 a 1999, sinto lhe dizer: o ano é 2022, mas nada mudou.


Franquias engolindo outras através do canibalismo, como no notório caso McDonald’s, por exemplo, descumprem inequivocadamente sua função social junto à sociedade, tanto quanto franqueadoras que vendem capacidade técnica que de fato não ostentam.


E nem venha se dizer que a aprovação do projeto lei que deu vida à Nova Lei de Franquias (Lei n. 13.966/19), revogando a Lei anterior (Lei n. 8.955/94), trouxe grande inovação legislativa para o setor – infelizmente, não como se esperava.


Basta uma simples pesquisa pública junto aos sites dos Tribunais ou um passeio pelas principais Capitais do país e você irá se deparar com histórias como estas, franquias quase vizinhas umas das outras disputando clientela, e que continuam a se repetir pelos bastidores de um mercado há muito romantizado e que, ao que tudo indica, não aprendeu muito com a história do franchising no país.


E é com estas histórias que deveríamos e devemos aprender para que possamos caminhar juntos pela construção de um franchising melhor para todos, fazendo resgatar na prática premissas básicas do nosso ordenamento jurídico em prol da tutela dos interesses da nossa sociedade quando o tema são as relações de fomento econômico como ocorre no caso das franquias empresariais.


Via de regra, através do contrato de franquia empresarial se estabelece nítida troca de interesses, onde o franqueado deve seguir as diretrizes da franqueadora com vistas à valorização da marca franqueada e operação padronizada da franquia. A franqueadora, por sua vez, oferece todo suporte, know-how, cadeia de fornecimento de produtos e/ou serviços necessários para saudável operação da franquia.


Nessa troca de interesses, um não pode agir fora dos padrões estabelecidos, pois acarretaria a desvalorização da marca, enquanto o outro, não pode ser negligente no oferecimento do suporte, transferência de know-how e disponibilização de produtos necessários para operação do negócio, de modo que a ausência de cooperação acarretaria o insucesso empresarial para ambos.


Saber enxergar a função social inerentes aos contratos de franquia empresarial não é arte; é luta. E lutar para que essa função social se materialize durante a execução do contrato pelas partes é tarefa e desafio que vai além do âmbito judiciário.


Ao ver que franqueados estão sendo aniquilados financeiramente por seus franqueadores o poder legislativo deve empreender esforços para assegurar os direitos desse setor através de normas mais rígidas e seletivas em tempos em que qualquer negócio pode ser transformado em franquia sem maiores critérios.


E ao nos deparamos com um caso concreto de abuso de direito e poderio econômico por parte do franqueador em detrimento de seu franqueado (ou de toda rede de franqueados) é necessário interpretar o contrato de franquia de forma justa e igualitária, para ambas as partes e para a coletividade que sofrerá seus efeitos.


Franqueadoras que abusam de seu poder econômico ou extrapolam no exercício do próprio direito impondo arbitrariedades sem dúvida alguma levam os franqueados à falência, gerando reflexos negativos a todos os envolvidos direta ou indiretamente, e quem também sofre com a crise econômica deste é a própria sociedade, pois uma vez falindo uma empresa franqueada, haverá desemprego, queda no consumo e desequilíbrio na economia brasileira.


Por isso, é imprescindível que o contrato de franquia seja executado conforme o princípio da função social com o intuito de impedir o comportamento arbitrário do franqueador e adequá-lo aos interesses sociais e correto funcionamento do mercado de franchising. E a recíproca também é verdadeira uma vez que franqueados também seu papel dentro do sistema que não necessita de aventureiros irresponsáveis.


Afinal, que sentido há em estimular o crescimento de determinada marca através de franquias se essa relação acabar por levar diversos franqueados à falência em poucos anos em decorrência dos prejuízos impostos pela franqueadora, com reflexos negativos à toda sociedade?


Além do importante papel do judiciário em interpretar os contratos de franquia conforme a sua função social, revisando cláusulas e disposições contratuais abusivas de forma a modificar a execução do contrato e adaptá-lo a uma situação de igualdade entre as partes, deve o legislativo lutar contra a insuficiência da lei de franquias que continua frágil e omissa em vários aspectos e um deles está relacionado ao fato de que, em tese, qualquer negócio pode ser transformado em franquia, ainda que não tenha período de maturação suficiente.


Enquanto uma nova lei não é aprovada, é preciso que a sociedade e o poder judiciário assumam as rédeas e lancem novos olhares às relações de franchising, exigindo e viabilizando mudanças de padrão, de comportamento e revisões em suas cláusulas adesivas e proporcionando uma execução justa e equilibrada desses contratos, de forma que cumpram uma função social, e outros princípios básicos de toda sociedade: da dignidade da pessoa humana; dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; da equidade; da solidariedade e da produção de riquezas.


Toda vez que um contrato estiver em desequilíbrio e descumprir com um desses objetivos, tem-se que ele não cumpre a sua função social, gerando um prejuízo em cascata para toda sociedade.


Assim, a função social do direito é norma, tão geral e impositiva (deve ser cumprido) como qualquer outra, e que exprime os novos valores e a nova razão socializante e pluralista do ordenamento jurídico brasileiro.


Franquia exige para que se desenvolva o negócio a contento é necessária a prévia existência de uma estrutura básica de negócio e protocolo de intenções consubstanciados nos princípios gerais de boa-fé e função social do contrato que compõe a sua essência.


E uma vez provada a inexistência dessa estrutura ou ofensa a tais princípios, o responsável deve responder pelos prejuízos causados à parte inocente e ter cessada sua atuação no mercado.




Dra Daiana S. Takeshita, é advogada formada pela Universidade São Francisco, pós-graduada em Direito Empresarial pela EPD - Escola Paulista de Direito - e FGV – Fundação Getúlio Vargas -, consultora especialista em franchising, sócia fundadora do escritório com seu nome e Ceo da Omnia Franchising Ltda, empresa de consultoria voltada à formatação, reestruturação, expansão e gestão de redes de franquias.



Referências bibliográficas:


SAAVEDRA, Thomaz. Vulnerabilidade do franqueado no franchising. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.


______. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências. Brasília, DF, Diário Oficial da União, Seção 1, 16 dez. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8955.htm> Acesso em: 12 abr. 2022.


______. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, Diário Oficial da União, Seção 1, 11 jan. 2002. Disponível em: < http:// www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 abr 2022.


FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo: Grupo Folha, 2000. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0904200017.htm> Acesso em: 10 abr 2022.


______. Lei nº 13.966, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências. Brasília, DF, Diário Oficial da União, Seção 1, 16 dez. 1994. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm > Acesso em: 12 abr 2022.

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